Eu gosto dos dias que amanhecem cinzas e escuros, com aquela aparência típica de que vai chover e esfriar. Dias assim me lembram momentos em que embora muitas vezes eu estivesse sentindo coisas as quais eu julgo negativas, ao mesmo tempo eu as aceitava como algo muito comum e com prazer e amor. Essa aceitação é como se fosse um gesto puro de auto-amor, onde medo, dor e prazer foram vencidos. Castañeda talvez chamasse esse estado de “não-piedade”, enquanto outros falariam “não-afeição”. Mas, não piedade e não afeição anulam uma a outra. E dizer tudo isso acima, significa que eu estou numa brisa louca de Spare ainda, cara.
Às vezes me sinto como se eu fosse algum tipo consciente da continuação de Spare, pela certeza com que concebo que entendo exatamente o que ele quer dizer porque eu mesma já vivi a mesma experiência, mas todo esse processo é muito intuitivo e místico na verdade. É a simbiose. O processo de identificação. Mas a simbiose seria um modo de continuação e preservação de uma espécie “mutante”? Nesses momentos penso se não foi Spare minha semente. E como no processo do girassol, eu tornar a ser a semente de alguém. Esse também não poderia ser um contexto para o Daemon?
E isso é divino. A beleza é de uma natureza divina e talvez feminina. Porque é a beleza o portal da entrega. Sempre nos entregamos completamente ao que é bonito. E a beleza é o universo tocado pela musica clássica em sua divina plenitude. E o universo em sua própria realeza altamente indefinida, terrivelmente confusa. Confusão é a matéria prima. Mas, então isso se torna à pura beleza fluindo por todo o espaço como uma enchente divina. E é tão prazerosamente belo, que se sente afogado e ao mesmo tempo entregue a uma sensação a qual não sabe como descrever. Essa é a profundidade a qual gostamos chamar de profundidade por um senso poético. É como se por um momento você simplesmente pudesse sentir exatamente aquilo que o compositor sentiu quando estava criando aquela musica. É a pura onda da vida. E então a simbiose novamente acontece e já estou transmutada. Sou então de uma raça mutante, infinitamente indefinida.
E o dia está tão cinza que faz com que a musica soe triste. E ao mesmo tempo é infinitamente belo, tão belo que só pode ser visto pelo coração. Toda a sua percepção vai instantaneamente para a região do cardíaco. E eu gosto de manhãs cinzas, com arvores espalhadas parcamente pelas ruas cinzas e asfaltadas, com os pombos que voam de casa em casa. É como se algo profundamente comovido e altamente extasiado dissesse que esse é exatamente o seu momento, é exatamente isso o que você está fazendo e apenas isso, mas tal como concebe, é toda a eternidade.
E saber disso é tão desesperador, como altamente libertador. Mas, se notarmos ambas as palavras usadas: “desesperador” e “libertador” terminam com “dor” - ou ainda: "desespera a dor" e "liberta da dor". Condicionamos então a idéia da morte a dor, e será exatamente isso que iremos sentir toda vez que tivermos que ascender para outro nível de percepção, é doloroso convencer-se da verdade, mas é apenas um processo, um pequeno processo de disciplinada repetição. E às vezes é tão terrivelmente solitário estar aqui em cima, nesse nível de consciência, que muitas vezes preferimos e nos acomodamos com a esfera mais comum. A nossa realidade consensual.
E o que eu acho mais divertido e irônico nisso tudo, é que sinto um enorme prazer em tentar racionalizar isso, sinto como se eu estivesse fazendo algo de grandioso. Como se eu ainda estivesse tão apegada a minha vida de “ser” condicionado, que eu quisesse na verdade simplesmente ser o psicopompo da minha própria consciência. De modo a manter em todos os lugares meus pequenos apegos, que certamente se tornarão uma condição. E tudo o que se torna uma condição, condiciona. Gira, tem o mesmo resultado. E sem todos esses condicionamentos, como será que conseguiríamos conviver? Não estaria eu com muito medo de ficar por muito tempo sozinha num lugar que todos ainda estão com medo de ficar? Mas, também isso não abriria o caminho para outros encorajados pelos primeiros, não pudessem também se chegar? E eu também tenho a palavra do Aeon, eu também tenho as chaves de todos os outros aeons possíveis. Porque ao amar a beleza com tal auto-amor, eu não estaria também imprimindo uma forte função no universo, ao qual os outros também não tentariam se adaptar? É sempre a velha história do ambiente hostil.
E os vírus da beleza se espalham pelas notas e acordes da musica clássica e todo aquele que se prontifica a se entregar por um momento naquela musica, vive a simbiose automaticamente com ela, e várias coisas podem ser vistas ao mesmo tempo, mas pelo excesso de informação, não paramos para descrever e então reconhecemo-nos como iguais aquilo, num nível muito profundo. É como uma suave dança magicka. E eu não entendo porque muitas vezes eu sinto o belo como triste. Seria minha natureza mais voltada a tristeza que vê nela a beleza? E se é exatamente isso. Por que então deveria estar acontecendo algo de errado comigo? Porque não há, na verdade, nada de errado. Eu sou a pura expressão da perfeição em mim mesma. A dança clássica dos deuses!
E Baphomet simplesmente faz a dança dos bracinhos, sempre um pra cima e outro pra baixo. Sempre menina e sempre velha, sendo tão somente no momento eterno presente a mulher. E é Daleth que brilha acima de minha cabeça, não Gimel, como muitos queriam, inclusive eu. Porque assim como aprendi a dançar, eu também aprendi a mover. E então você imagina aquela quem um dia caiu na beleza de uma mesma forma. E isso é obsessivo de minha parte! Porque na verdade o mundo é tão destituído de sentido, que é mais prazeroso pensar como queremos descrever que nossas vidas sejam.
E alguém já te condicionou da mesma forma antes. Então, você tem de ir aos poucos dando espaço para sair do condicionamento. Mas, esse ato é em si uma nova condição. E ao mesmo tempo que parece doloroso pela questão do profundo desejo de liberdade, é definitivamente doloroso. Todas aquelas crenças que você gostou, todas aquelas crenças que você se apegou, por pior que fossem, é o que te faz também desejar ficar. É por isso que os budistas insistentemente diziam para procurarmos o caminho do meio. Não-afeição = Desapego. Estar em todos os lugares e em nenhum ao mesmo tempo. Spare chamaria isso de crença livre, talvez.
Mas tem coisas que você gosta tanto e tanto, que sacrifica a cada dia a sua liberdade por causa dela. É como são os casos de amor ultimamente. Não é o amor fluindo pela beleza na suave musica do universo, mas sim um apego obsessivo ao qual não conseguimos nos soltar. E assim amo também minha dor, meu medo, minhas inseguranças, minha materialidade, meu corpo, meus parentes, meus amigos e assim por diante. Mas isso não é amor, isso é apego. E esse apego é o que me faz viver uma anorexia amorosa de forma ambientalmente social. Seja como for, eu estou em permanente conflito com a sociedade e uma das duas forças uma hora terá de se modificar, para mais ou para menos, e então, não há mais conflito e eu não fico cansada.
E não se cansar significa acumulo de poder pessoal. Quanto mais descansados, mais poderosos. Quanto mais relaxado, mais benigno. Quanto mais profundamente relaxado, mais severo. Mas, estamos constantemente atentos ao medo e continuamente não nos entregamos. Ou será que isso soa como punição? E se sim, por que estaríamos nos punindo? Por que não nos permitir uma conexão direta com isso todo o tempo? Será que é só o puro instinto gregário que nos impede de dar o próximo passo? E por que gostamos tanto de estar perto, se não fosse pelo medo contínuo da nossa idéia de separação? E isso soa tão bonito, porque isso soa como real. Como se você estivesse fisicamente distante de mim, muito próximo a ela (a outra pessoa) e você souber com toda a sua profundidade, que está eternamente mais próximo de mim, do que dela, porque eu me tornei como uma pequena lâmpada que tua consciência acende sempre que se foca nela. E é quando por vias do amor eu mergulho no divino por meio de teu corpo, que nós entendemos porque desejamos tanto a simbiose no final das contas. Só pela simbiose é que podemos conceber a visão do amor pelo outro. E sermos profundamente confortados porque temos opções e isso gera o intenso prazer, o puro êxtase.
E por mais bonito que isso pode parecer para mim agora, eu alerto para o fato de que é puro enchimento de lingüiça durante uma longa brisa. Porque justamente agora eu estou saudando o amanhecer, dançando Bach com o Sol. E pensando no próximo prazer que eu irei me dar. Porque é aceitando o prazer que nós encontramos um tipo de sobriedade para conviver com a eternidade e esse é o nosso direito. E que minhas palavras estejam tão cheias de beleza, como a visão que mantenho dentro de mim. Pois é sempre a beleza a dominar a força. E isso me lembra tanto Volúpia! E isso é tão belo como só a poesia poderia ser e tão feminino como só uma mulher pode se expressar. Mas, ainda não deixa de ser enchimento de lingüiça.
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