sábado, 28 de maio de 2011

Enteógenos como desencadeadores de crises transformacionais


por Chaos Baby

Que o uso de enteógenos está ligado a processos espirituais e de desenvolvimento pessoal não é nenhuma novidade, todo mundo já sabe. Mas e quando você não está procurando por isso e uma crise transformacional é desencadeada pela ingestão de algum enteógeno?

De fato, nós sempre esperamos algum efeito, mesmo quando estamos apenas interagindo com o enteógeno de uma maneira “recreativa”, esperamos ser arrastados desde as alturas até os mais atormentadores infernos, sabemos que não podemos nunca prever como uma experiência num nível tão alto de consciência pode ocorrer, tentamos ser o mais cuidadosos possível com o ambiente, as pessoas e até mesmo buscamos observar nosso estado de espírito a fim de tentar minimizar efeitos ruins ou as conhecidas bad trips. O que raramente se espera é que o enteógeno desencadeie uma crise transformacional, por Stanislav Grof chamado de Emergência Espiritual.



"As Emergências espirituais podem ser definidas como estágios críticos e experimentalmente difíceis de uma transformação psicológica profunda que envolve todo o ser da pessoa. Tomam a forma de estados incomuns de consciência e envolvem emoções intensas, visões e outras alterações sensoriais, pensamentos incomuns, assim como várias manifestações físicas. Esses episódios que normalmente giram em torno de assuntos espirituais, incluem seqüências de morte e renascimento psicológico, experiências que parecem memórias de vidas passadas, sensações de união com o universo, encontro com diversos seres mitológicos e outros temas semelhantes".

Esse tema acabou sendo levantado e novamente estudado por mim depois da ultima experiência com enteógeno onde a bad trip pareceu não passar, ainda que dias já tivessem passado depois da ingestão. Durante a experiência, que tive com meu amigo, lembranças dolorosas da infância foram levantadas e assimiladas com a situação presente, onde fui arrastada para um campo emocional e mental que em estado comum de consciência eu costumo evitar ou negar a existência. Tais lembranças, assimilação e uma profunda observação de um padrão comportamental repetitivo e altamente perturbador não me levaram prontamente para um despertar espiritual, mas para uma crise transformacional, crise tal que durou dias e que ainda me encontro.

Embora tais crises possam nos arrastar para o limbo e estados depressivos, entre outros distúrbios mentais, emocionais e até mesmo físicos, elas também são vistas da perspectiva psicológica e espiritual como oportunidades para a transformação do ser. Temos uma tendência à acomodação. Costumamos deixar-nos viver do que de fato viver a vida, seguimos com nosso script cotidiano interpretando nossos papéis de pais, filhos, irmãos, profissionais, amigos, etc, sem sequer questionarmos porque o fazemos, não questionamos o significado da vida, o seu propósito e o seu valor. Buscamos satisfazer nossos desejos materiais, emocionais, físicos, etc; e caminhamos em busca do prazer, altamente focados no mundo material como se essa fosse a última e final realidade. Muitas vezes nessa vida “consensual” alguns até podem se intitular religiosos e acreditarem em Deus, ir às missas aos domingos e sentir que fez tudo o que poderia fazer em termos religiosos e sentir-se confortável com isso. Mas, quando eu trato de espiritualidade, eu não estou falando a respeito da questão de se ter uma religião ou uma crença, eu reconheço a espiritualidade como toda a nossa experiência interna e externa, nossa verdadeira expressão e manifestação no mundo.

Essas crises acontecem justamente porque nosso espírito está sempre ávido a libertar-se, não se trata de sair de nosso corpo, ou de uma questão metafísica, mas todos ansiamos por uma libertação da rotina ou de estados comportamentais condicionados por nós mesmos ou por outros, ou de estruturas mentais convencionais. Sem percebermos, nós encarceramos nosso espírito em velhas formas, evitamos nos aperceber de nossos potenciais criativos, não deixamos essa energia fluir por medo, comodismo ou negação, ou por qualquer outro fator que nos mantém presos e preguiçosos. Quando esse trabalho de libertação se torna necessário ao extremo, mas que não o fazemos voluntariamente, por mais que saibamos que uma mudança está sendo profundamente requerida, então nossa psique trata de dar um jeito nessa situação, subjugando nossa personalidade e gerando crises para forçar o desenvolvimento.

Não somente os enteógenos podem desencadear tais crises, a morte de um ente querido, doenças, divórcios, nascimentos, abortos, acidentes, quase morte, práticas de meditação, yoga, entre variadas práticas espirituais intensas e etc, todos podem acabar te levando a uma crise transformacional. O desenvolvimento do ser e/ou despertar espiritual pode acontecer de maneira muito sutil e gradual e com os anos você acaba percebendo o quanto se modificou no decorrer da sua vida. Mas quando essa necessidade é negligenciada ou não é conscientemente aceita por quaisquer motivos, então você pode ter que encarar uma crise. Suas crenças serão abaladas, surgem os questionamentos sobre o seu jeito de ser e de se comportar, de encarar a vida, uma onda de insatisfação vai se tornando crescente, o seu relacionamento com o mundo externo vai se modificando, sua realidade pessoal é abalada, uma mudança súbita ou gradual de sua vida interior pode ser experimentada. A pessoa se sente carente, sente que “alguma coisa está faltando”, sem definição, algo vago que ela não sabe descrever, não sabe o que é. Nesse momento ela está diante de uma Emergência Espiritual.

A vida simplesmente é movimento e mudança, ela está constantemente fluindo, mudando, se transformando. Quando estagnamos e não queremos mudar estamos tendo um movimento anti-vida e nosso espírito, psique, alma, ou seja lá que nome você gostaria de dar para isso, que está intimamente ligado a vida, dará um jeito de lembrar-te que você está vivo. Por mais assustadoras ou difíceis que as crises possam parecer, elas estão te invocando para se abrir e deixar que a mudança ocorra. Elas estão dizendo que uma nova pessoa precisa se manifestar, elas estão dizendo “ei, cara, pegue esse atalho”. Ou como o Leary diria: Ligue-se, Sintonize-se e Caia Fora. Ou: Turn on (desperte sua mente), Tune in (sintonize-se com seu interior) and drop out (abandone conceitos pré-estabelecidos, expanda sua mente).

Grof enfatiza que a Emergência Espiritual deve ser observada com cuidado, recomendando que se busque apoio nesses momentos. Por ele mesmo:

“Devido ao perigo e ao potencial positivo presentes nessas crises, as pessoas que por elas passam precisam de orientação especializada de pessoas que têm experiência pessoal ou profissional com estados de consciência incomuns e que saibam trabalhar com elas e dar-lhes apoio. Para pessoas que passam por uma crise evolutiva dessa espécie, os rótulos patológicos e o uso insensível de várias medidas repressivas, inclusive o controle de sintomas por meio de medicação, podem interferir no potencial positivo do processo. A conseqüente dependência duradoura de tranqüilizantes, com seus conhecidos efeitos colaterais, com a perda de vitalidade e com um modo de vida comprometido são um triste contraste com as raras situações em que a crise de transformação da pessoa recebe apoio e validação e tem permitida a sua complementação. Portanto, não podemos acentuar em demasia a importância da compreensão da emergência espiritual e o desenvolvimento de abordagens amplas e eficazes para o seu tratamento, bem como de sistemas de apoio adequados.”

Isso faz com que olhamos para os enteógenos com um pouco mais de respeito e cuidado, ele sempre será uma iniciação, ele sempre trará algum aprendizado para você, ele sempre te arremessará para uma profunda compreensão de si, um reconhecimento, uma descoberta. Se para isso for necessário uma crise, então esteja certo, sua psique dará um jeito disso acontecer e negar-se a viver esse processo de transformação só fará com que seus sintomas intensifiquem, que poderão ser experimentados como um sentimento de solidão profundo e de que ninguém será capaz de nos entender. Sensações de desespero, angustia, medo de enlouquecer, visões, intuições, etc. Esse é o momento de uma busca espiritual, pois ninguém pode passar por uma grande crise e se sair bem com ela sem que tenha uma experiência espiritual e Jung apoiaria essa ultima frase.

Buscamos então estarmos abertos para as mudanças, deixar que a crise abra-nos de modo a deixar que nosso espírito se expresse e se liberte, deixarmos que uma nova pessoa venha ao mundo, que nossos potenciais se manifestem. Para isso que as plantas de poder foram e são altamente usadas no Xamanismo e em várias outras religiões e sistemas espirituais. Nós não podemos modificar o mundo, mas temos todas as ferramentas necessárias para mudar a percepção que temos dele.

"Viver é surfar o caos. Você não pode modificá-lo, mas pode aprender a lidar com ele surfando seus limites. Tem mais, meu caro: ninguém é realmente místico por mais de cinco minutos. Não está contente ainda? Te digo uma coisa que aprendi na minha vida, aprendi muito profundamente: toda a realidade que nos cerca não passa de uma opinião". – Timothy Leary.

Um comentário:

  1. Olá, Baby!

    Muito bom seu texto, gostei bastante dessa exposição sobre transformações pessoais e crises, pois todos entendem crises como algo negativo, quando na verdade é justamente o que dizes, a oportunidade de aprimorar o espírito!

    E "coincidentemente", encomendei um livro do Grof "A mente holotrópica" ^^-

    Beijos caóticos!

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