sábado, 4 de dezembro de 2010

Entregue-me aos rios

Uma manhã cinza, o mundo parece estar um tanto complicado hoje, as verdades me soam como mentiras, as mentiras como verdades, e, eu acho que estou bastante confusa. Mas, nós podemos escolher o que queremos ser hoje e eu acho que às vezes eu só queria poder ter um pouco do passado de volta. Isso soa melancólico, eu sei. Mas, quando as sombras dançam na parede do meu quarto eu juro que talvez eu não encontre mais ninguém no mundo como ele.

Tão longe, tão perto... Eu continuo lendo esse livro em voz alta, eu observo a aranha que morreu no corredor, eu acendo mais um cigarro, espio o dia pela janela e nesse rio que atravesso, quem sabe o próprio Aqueronte, eu não sei exatamente para onde estou indo, sendo, talvez, qualquer uma de minhas escolhas um caminho para o Érebo.  Isso não me deixa triste, não, é o passado, a outra margem que deixei que às vezes sopra uma brisa de melancolia.

E enquanto eu caminho por essas ruas sujas dentro dessa manhã cinza e quente, as pessoas seguindo para viver o dia, lembro-me nos cantos mais inusitados de alguns momentos e nesse pequeno instante eu escondo de mim qualquer tipo de sentimento que esteja em desacordo com a nuvem que escorre tempestuosa para o sul da minha alma. Por favor, me deixe sozinha agora, eu só preciso jogar poker.

Você está arrependido? Está arrependido? Nós cortamos as arvores, transformamo-las em lenhas, ateamos fogo e nem precisávamos disso. Foi pura diversão, você teria me dito. Eu nem ligo, eu nem ligo. Sabe o que eu encontrei aqui? Alguns pedaços de sorrisos velhos que caíram junto com a chuva que devastou a cidade, Caronte sorri, talvez eu mesma estivesse também sorrindo nesse barquinho.

Pegue sua corda, amarre-a bem no teto e depois a aperte ainda melhor em seu pescoço. Sem carta de despedida, sem moeda sob a língua, não nos encontraremos no Érebo. Mas, se quiser, eu posso escorregar nesse abismo e te entregar uma rosa, ainda que morra, porque a morte é só mais um começo. Porém, eu não entendo, estou moribunda há tanto tempo e nunca morro. Minha corda era fraca demais...

Leio novamente o livro em voz alta, todos os dias eu perco grande parte do meu precioso tempo lendo esse livro cheio de mentiras. Eu acho que só preciso de um banho, uma cama e algumas horas de sono, mas isso não exclui o fato de eu estar perpetuamente cansada disso tudo. Isso não exclui o fato de excluir o excluso, eu inclusive.

Onze da manhã, o dever me chama, o lado b da vida me espera, talvez um poço de morte, ou uma fonte dos desejos, talvez um céu enegrecido ou uma terra esbranquiçada. I don’t mind! Temo não haver mais ninguém no mundo como ele. Temo não haver mais mundo como aquele. Temo estar tomando a decisão errada. Temo, mas não faço nada, porque às vezes pode se sentir um prazer divino em temer. Jogue o que restar de mim no Estige, mas minha mente, minha mente, essa é para o Lete.

E eu me deito, eu me jogo, eu minto, eu te amo, eu te detesto, eu falo a verdade, eu jogo baralho com Loki, eu escorrego no tobogã do horrível para me afogar no Nilo... E em meu ultimo lamento, em meu ultimo lamento, eu imploro a Dionísio, ainda que implorar não seja uma arte que eu faça bem... Por favor, leve-me, leve-me para todos os lugares e para lugar nenhum, Dionísio, porque maldita foi a hora que Prometeu me deu este fogo amaldiçoado! Porque eu desejei ser humana, mas Prometeu insistiu para que eu fosse um ser divino.

E eu morro, eu sinto sua falta, eu gargalho, eu digo e eu estou mentindo. Leve-me agora para longe, Dionísio. Estou farta do abismo.

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